Para Sempre

O cheiro da maresia e a brisa suave, acariciando-lhe a face, fizeram com que ela logo se lembrasse do que ele havia lhe dito muitos anos antes: “quando o primeiro vento da Bahia tocar o seu rosto, sou eu dando-lhe um beijo de boas-vindas.” Ela ensaiou um sorriso melancólico, recordando aquele dia, enquanto o fitava em meio à bagunça das malas na esteira do desembarque.

O aeroporto à beira-mar era um espetáculo à parte. Ladeado por uma imensa trilha de coqueiros exuberantes e cercado por dunas centenárias, fora projetado para receber apenas aeronaves de pequeno porte. Isso conferia ao ambiente certo ar intimista, aconchegante, livre do fluxo interminável de pessoas tão comum em outros aeroportos.

Dizem que amor à primeira vista não existe. Talvez tenham razão. O que acontece de fato é a afinidade. E com eles não foi diferente. Mas para a afinidade acontecer, primeiro vem a troca de olhares, um sorriso, uma conversa agradável. Vem o desejo sem receios, sem pudores ou exigências. Um toque delicado, um abraço carinhoso. Expor-se sem medo de críticas. Sentir-se seguro. Confiança, confidências e intimidade. O caminho está aberto para o amor.

A redescoberta do amor, quando se está na casa dos quarenta anos é prova de que o amor não abandona ninguém. Ele fica espreitando, esperando uma chance e se você se permite, ele chega. Conversar baixinho e disputar para ver quem vai de fato desligar o telefone por último é coisa de adolescentes. Você pensava que era, mas um novo amor faz isso com você. Mensagem no celular? Isso é para quem não tem o que fazer. Ledo engano. Surpreender o outro com uma mensagem no celular domingo à tarde, apenas para saber como foi o seu dia, ou dizer um simples “oi”, traz uma recompensa emocional que não estávamos mais acostumados a receber. Parece que o passar do tempo e dos anos nos obriga a querer abandonar esses pequenos gestos, porque nos ensinaram que isso é infantil, imaturo. Mas a verdade é que esses gestos são uma das formas de se expressar “Eu te amo!”. Todo mundo tem suas carências e quando encontramos alguém disposto a compartilhar com você pequenos momentos, incertezas e angústias, alegrias e desejos, lágrimas e medos, esperanças e vitórias, aquelas lacunas vão sendo preenchidas. E isso é extraordinário. E a isso chamamos amor.

De volta à sala de desembarque, à espera do taxi que os levaria à pousada para vinte dias de merecido descanso, eis que surge ele com uma flor numa mão e um sorriso no rosto. Ele sempre tinha aquele sorriso, espontâneo, alegre, confiante. Isso a encantava.

Uma chuva sem precedentes havia desmoronado, era fim de tarde e um friozinho agradável deixava-se sentir. Ele ofereceu-lhe a flor com um pequeno cartão rubricado. Na frente estava escrito: “Vou dar uma dica de quem gosta de você... no verso estava estampado em caixa alta: ...começa com “E” e termina com “U”. Ele lhe deu um beijo na testa, fitando aqueles olhos verdes intensos e saiu em busca de um café quente.

Quando ele voltou, o aroma do café preencheu o ambiente. Pôs as duas xícaras na mesinha em frente e esfregou as mãos. Ela sorriu e o abraçou, fechou os olhos, apertou forte o lábio superior e finalmente disse baixinho: “Até quando vai durar esse nosso amor, hein?” Ele a beijou, olhou fundo naqueles olhos lindos, acariciou seus cabelos, entornando-os por trás das orelhas e disse sorrindo: "Para sempre, Amore, um amor não dura até...um amor de verdade dura desde...”


Brahms
Publicado no Recanto das Letras em 02/03/2010
Código do texto: T2116181

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