Intimidade

Houve um tempo, crianças, em que a gente não falava de sexo como quem fala de um pedaço de torta. Ninguém dizia Fulano comeu Beltrana, assim, com essa vulgaridade. Nada disso. Fulano tinha dormido com ela. Era este o verbo. O que os dois tinham feito antes de dormir, ou ao acordar, ficava subentendido. A informação era esta, dormiram juntos, ponto. Mesmo que eles não tivessem pregado o olho nem por um instante.

        Lembrei desta expressão ao assistir Encontros e Desencontros. No filme, Bill Murray e Scarlett Johansson fazem o papel de dois americanos que hospedam-se no mesmo hotel em Tóquio e têm em comum a insônia e o estranhamento: estão perdidos no fuso horário, na cultura, no idioma, e precisando com urgência encontrar a si mesmos. Cruzam-se no bar. Gostam-se. Ajudam-se. E acabam dormindo juntos. Dormindo mesmo. Zzzzzzzzzzz.

        A cena mostra ambos deitados na mesma cama, vestidos, conversando, quando começam a apagar lentamente, vencidos pelo cansaço. Antes de sucumbir ao mundo dos sonhos, ele ainda tem o impulso de tocar nela, que está ao seu lado, em posição fetal. Pousa, então, a mão no pé dela, que está descalço. E assim ficam os dois, de olhos fechados, capturados pelo sono, numa intimidade raramente mostrada no cinema.

        Hoje, se você perguntar para qualquer pré-adolescente o que significa se divertir, ele dirá que é beijar muito. Fazer campeonato de quem pega mais. Beijar quatro, sete, treze. Quebram o próprio recorde e voltam pra casa sentindo um vazio estúpido, porque continuam sem a menor idéia do que seja um encontro de verdade, reconhecer-se em outra pessoa, amar alguém instintivamente, sem planejamento. Estão todos perdidos em Tóquio.

        Intimidade é coisa rara e prescinde de instruções. As revistas podem até fazer testes do tipo: “descubra se vocês são íntimos, marque um xis na resposta certa”, mas nem perca seu tempo, a intimidade não se presta a fórmulas, não está relacionada a tempo de convívio, é muito mais uma comunhão instantânea e inexplicável. Intimidade é você se sentir tão à vontade com outra pessoa como se estivesse sozinho. É não precisar contemporizar, atuar, seduzir. É conseguir ir pra cama sem escovar os dentes, é esquecer de fechar as janelas, é compartilhar com alguém um estado de inconsciência. Dormir juntos é muito mais íntimo que sexo.



Martha Medeiros

Comentários

  1. é infelimente agora está assim. Bom eu tenho 26 anos. Minha adolescência foi a pouco tempo. E digo que eu fui uma excessão. Nunca vi sentido nenhum em sair beijando pessoas que nem conhecia. E não fazia isso. srsrs

    ResponderExcluir
  2. Lindo texto Marcos!
    realmente os adolescentes de hoje não sabem o quanto é bom e gostoso dormir junto, compartilhar uma intimidade sem receios ou duvidas.


    bjus!

    ResponderExcluir
  3. Lindo e verdadeiro texto. A intimidade real está agonizando, o que é uma lástima.
    Enquanto lia lembrei-me de um rapaz que conheci que toda noite saía para dar "uma". Reencontrei-o logo após ter completado 40 anos e contou-me estar usando uma prótese no pênis. Segundo ele, a causa foi excesso de uso.
    Algo para a rapaziada pensar, não?
    Estou sentindo sua falta. Abandonou mesmo o Expansão?
    abraços

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas